quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Raul Boeira

2009 - Volume Um
Gênero: MPB



A qualidade da música, dos músicos e dos compositores brasileiros é inegável. Muitas vezes esquecida em seu próprio país, nossa música é exportada pelo mundo e conquista cada vez mais um número maior de ouvintes. E muitas vezes os nossos compositores e músicos acabam passando despercebidos, e consequentemente não recebendo o devido valor e reconhecimento. Na semana passada, tive a grata surpresa ao receber um e-mail do compositor gaúcho Raul Boeira. O melhor ainda estava por vir, Raul fez questão de enviar as músicas, a qual aceitei sem pensar duas vezes. No mesmo dia, ouvi e fiquei maravilhado. Há tempos não ouvia um álbum de MPB com tamanha qualidade. Letras lindas, cativantes e com muito conteúdo, arranjos belíssimos, uma sonoridade que impressiona em vários aspectos, melodias suaves, a diversidade e a combinação perfeita dos ritmos, instrumentistas do mais alto nível e Raul, que além de um excelente compositor e violonista, solta a voz e se mostra um cantor talentoso. Mas antes de falar do álbum “Volume Um”, segue uma breve história sobre o compositor Raul Boeira.

O compositor e violonista gaúcho Raul Boeira, nasceu em 1956, na cidade de Porto Alegre/RS. Filho de um acordeonista amador, cresceu ouvindo valsas, choros e rancheira, músicas que seu pai tocava. O seu envolvimento com a música era ainda maior, a começar pelo rádio, que estava sempre ligado na sua casa, ouvia muito a Rádio Guaíba, a qual tocava música orquestrada e bossa nova, depois as rádios foram invadidas pela Jovem Guarda, a qual Raul também não perdeu tempo em conhecer. Anos depois a grande novidade era a TV e junto com ela os festivais e programas de música. No ano de 1972 a rádio Continental passou a divulgar o som da Motown, depois Raul descobriu um programa de jazz e blues, na radio Jornal do Brasil. Com apenas 15 anos, Raul já havia feito grandes descobertas e ouvido muita coisa. Em 1973 o violão foi a sua grande descoberta, segundo o próprio Raul, ele teve a ajuda de dois hippeis que trataram de ensinar-lhe os primeiros acordes e também em apresentar os primeiros LPs de rock, como Hendrix, Deep Purple, Jethro, entre outros. Em 1974, ele e sua família mudaram-se para a cidade de Passo Fundo/RS, lá arrumou emprego e comprou o tão sonhado toca-discos. Como ele já “arranhava” o violão, não demorou muito para descobrir as revistas de violão Vigu, que traziam harmonias, especialmente de música brasileira. O próximo passo foi adquirir discos de MPB, entre os primeiros comprados estão Milton Nascimento (Milagre dos Peixes), Elis, Ivan Lins, Chico, Caetano e Gil. No ano de 1979, Raul conheceu um guitarrista catarinense, o qual lhe falou de outros guitarristas/violonistas, mas do meio jazzístico, como Wes Montgomery, Joe Pass, John McLaughlin, a partir daí Raul começou a adquirir os discos de jazz. Nessa época, Raul passou a conhecer melhor os músicos locais, eles tocavam em rodas de violas que aconteciam na cidade e atualmente muitos deles são músicos respeitados, como Alegre Corrêa, Guinha Ramires e Dudu Trentin. Como eles viviam de música, muitos se mudaram para outras cidades em busca de melhores oportunidades. Raul decidiu ficar em Passo Fundo, foi aprovado em um concurso público e passou a compor suas músicas em casa. Participou de alguns festivais, tocou em alguns bares, experiência que segundo ele foi desastrosa. Mais foi em 1993, que Raul tomou a decisão de ser para sempre um músico amador.

Apesar da decisão, Raul nunca abandonou a música, muito pelo contrário, continuou trabalhando em suas composições e chegou a incrível marca de 130 canções, algumas foram regravadas por músicos independentes da cena local passo-fundense, de Porto Alegre, do Uruguai e até de Viena, na Europa.

Mas o grande sonho de Raul começou a tomar forma em 2007. Entrou em contato com seu amigo Dudu Trentin, que se tornou arranjador de trilhas da Rede Globo e ficou decidido que aquela seria a hora de realizar definitivamente o seu sonho: Gravar um CD.

O álbum “Volume Um” (2009) foi produzido no Rio de Janeiro, no estúdio Nas Nuvens – construído por Liminha e Gilberto Gil no final dos anos setenta -, com arranjos e produção musical do pianista Dudu Trentin e Vitor Farias como responsável pela gravação, mixagem e masterização, ele que é considerado um dos melhores do Brasil e já gravou álbuns de grandes nomes da música brasileira, como Elis Regina, Hermeto Pascoal, Edu Lobo, Paralamas, entre outros.

O álbum impressiona em todos os aspectos, principalmente pelo time de instrumentistas que participaram das gravações, os guitarristas Ricardo Silveira, Lula Galvão, Celso Fonseca, Torcuato Mariano, Fernando Caneca, João Gaspar e Julio Herrlein, os baixistas André Vasconcellos e André Rodrigues, o baterista Alexandre Fonseca, os percussionistas Sidinho Moreira e Firmino, o flautista Marcelo Martins, o violinista Glauco Fernandes e o acordeonista Léo Brandão. A cantora carioca Barbara Mendes cantou em uma faixa. Atuaram como backing vocals Juliano Cortuah, Nina Pancevski e Lu Duque.

No repertório do álbum, 12 canções de autoria própria, nas quais as canções “Negro Coração” e “Clariô” escritas em parceria com Alegre Corrêa e “Com o Azul nos Olhos” em parceria com o porto-alegrense Mário Falcão. Bom, eu gostaria de citar todas as músicas, pois o Raul me enviou a história por trás de cada uma, tentarei ser breve (apesar de achar impossível, diante de tudo isso). A faixa de abertura “O Poder da Benzedura”, começa com um arranjo belíssimo de violinos, tocado por Glauco Fernandes e depois o toque sutil dos violões. A música tem uma levada rítmica do candombe uruguaio. A letra é uma homenagem ao seu Nabuco, conhecido benzedor da cidade Passo Fundo. A canção “Doutor Cipó” é um ijexá bem ritmado, violões tocados João Gaspar e percussão de Sidinho Moreira. A letra também é uma homenagem, o nome é em referência ao seu Graciano, um velhinho que há muitos anos vendia ervas e chás no centro da cidade, e mostra a fé do brasileiro na flora medicinal como alternativa à medicina inalcansável ao homem comum. “Na Beira do Rio” é uma das músicas mais lindas do álbum, letra maravilhosa, nela Raul se põe no lugar do matuto que espera a morena voltar para o seu ranchinho. Apenas voz, violão e acordeom, isso é o bastante. Os erros de português na música são propositais. “Minha Reza” é uma canção com uma letra bem interessante, é uma prece escrita em 1986 para São Jobim. Raul é acompanhado apenas pelo guitarrista porto-alegrense Julio Herrlein. “Com o Azul nos Olhos” é um poema escrito por Raul em 2002, enquanto deixava a cidade de Uruguaiana. Os versos foram entregues ao compositor Mario Falcão, o qual musicou em forma de milonga. Raul decidiu que não queria gravá-la nos moldes gaúchos, então a solução encontrada foi utilizar uma voz feminina, sem sotaque gaúcho e acompanhada não por violões, como de hábito, mas de um piano moderno. O arranjo escrito por Dudu e a cantora convidada foi a carioca Bárbara Mendes. O resultado não poderia ser outro, uma canção maravilhosa. “Pro Pandeiro Não Cair” é um samba abolerado, onde Raul critica a necessidade que o brasileiro tem de cultuar heróis do esporte e o modo como os meios de comunicação o utilizam como forma de induzir o povo à alienação. O arranjo de flautas foi escrito por Dudu e executado por Marcelo Martins. “Laranjeira” é um xote, não gaúcho, mas nordestino, com direito à sanfona, triângulo e zabumba. A faixa “Clariô” fecha o álbum com chave de ouro, a letra foi musicada por Alegre Corrêa e a letra fala sobre a fé, a resistência, a teimosia e a luta pela sobrevivência.

É impossível traduzir em palavras o álbum “Volume Um” do Raul Boeira, e o motivo disso é simples: Não encontramos palavras à altura dessa obra da música brasileira. Quero parabenizar o Raul pelo trabalho magnífico, por contribuir de forma tão grandiosa com a música brasileira e nos brindar com canções de altíssimo nível e uma sonoridade riquíssima, também quero elogiar os instrumentistas que fizeram parte das gravações e que ajudarama concretizar o sonho do compositor Raul Boeira. "Volume Um" é sem sombra de dúvida um dos melhores álbuns de MPB da atualidade. Boa Audição a todos.

Ouça a música "O Poder da Benzedura" (Raul Boeira)


Track List

01. O Poder da Benzedura (Raul Boeira)
02. Negro Coração (Alegre Corrêa/Raul Boeira)
03. Oferenda (Raul Boeira)
04. Doutor Cipó (Raul Boeira)
05. Na Beira do Rio (Raul Boeira)
06. Pro Pandeiro não Cair (Raul Boeira)
07. Minha Reza (Raul Boeira)
08. Castelhana (Raul Boeira)
09. Com o Azul nos Olhos (Mário Falcão/Raul Boeira)
10. Tataravô (Raul Boeira)
11. Laranjeira (Raul Boeira)
12. Clariô (Alegra Corrêa/Raul Boeira)

Myspace Oficial: Raul Boeira

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