segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

"A Carne" (Júlio Ribeiro)

Ficha Técnica

Escritor: Júlio Ribeiro
Gênero: Literatura Brasileira / Romance / Naturalismo
Edição: 1999
Páginas: 94
Acabamento: Versão eletrônica
Editora: Martin Claret

Helena, ou Lenita como era mais conhecida, perdeu a mãe durante seu parto. Filha única, inteligentíssima, teve a sorte de ter um pai amoroso que se preocupou em proporcionar-lhe a melhor educação. Aos 18 anos, perde Lenita também seu pai. Herdou um belo dinheiro, pretendendes não lhe faltavam, mas nunca se interessou por nenhum deles. Decidiu mudar-se para o interior e morar na fazenda de um velho amigo de seu pai, o coronel Barbosa, que vivia com a esposa muito doente e mal saia do quarto.

Lenita, só, sonhava:

Sonhou ou antes viu que o gladiador avolumava-se na sua peanha, tomava estatura de homem, abaixava os braços, endireitava-se, descia, caminhava para o seu leito, parava à beira, contemplando-a detidamente, amorosamente.
E Lenita rolava com delícias no eflúvio magnético do seu olhar, como na água deliciosa de um banho tépido.
Tremores súbitos percorriam os membros da moça; seus pêlos todos hispidavam-se em uma irritação mordente e lasciva, dolorosa e cheia de gozo.
O gladiador estendeu o braço esquerdo, apoiou-se na cama, sentou-se a meio, ergueu as cobertas, e sempre a fitá-la, risonho, fascinador, foi-se recostando suave até que se deitou de todo, tocando-lhe o corpo com a nudez provocadora de suas formas viris.
O contato não era o contato frio e duro de uma estátua de bronze; era o contato quente e macio de um homem vivo.
E a esse contato apoderou-se de Lenita um sentimento indefinível; era receio e desejo, temor e volúpia a um tempo. Queria, mas tinha medo.
Colaram-se-lhe nos lábios os lábios do gladiador, seus braços fortes enlaçaram-na, seu amplo peito cobriu-lhe o seio delicado.
Lenita ofegava em estremeções de prazer, mas de prazer incompleto, falho, torturante. Abraçando o fantasma de sua alucinação, ela revolvia-se como uma besta-fera no ardor do cio. A tonicidade nervosa o erotismo, o orgasmo, manifestava-se em tudo, no palpitar dos lábios túmidos, nos bicos dos seios cupidamente retesados. Em uma convulsão desmaiou.

Alguns meses depois, chegou à fazenda o filho do coronel, Manduca, 40 anos, separado da esposa francesa a quem deixou na Europa. Muito inteligente também, interessado em ciências como Lenita, depois de muitas idas e vindas, o inevitável romance se concretizou.

E um beijo vitorioso recalcou para a garganta o grito dorido da virgem que deixara de o ser...
Depois foi um tempestuar infrene, temulento, de carícias ferozes, em que os corpos se conchegavam, se fundiam, se unificavam; em que a carne entrava pela carne; em que frêmito respondia a frêmito, beijo a beijo, dentada a dentada.
Desse marulhar orgânico escapavam-se pequenos gritos sufocados, ganidos de gozo, por entre os estos curtos das respirações cansadas, ofegantes.
Depois um longo suspiro seguido de um longo silêncio.
Depois a renovação, a recrudescência da luta, ardente, fogosa, bestial, insaciável.
Pela frincha da janela esboçou-se um rastilho de luz tênue.
Era o dia que vinha chegando.

Continuaram se encontrando furtivamente, ora no quarto de um ora no do outro. Um dia ele viaja a negócios e fica várias semanas fora. Na volta, sem querer, ela descobre uma traição por parte dele. Abandona-o e volta para a capital. Descobre-se grávida. Graças à fortuna que herdara, não lhe é difícil arranjar rapidamente um casamento e um pai para seu filho. O verdadeiro pai, informado por carta, se mata com uma dose de veneno, após tentar sem sucesso o consolo na morfina. Fim.

Acredite se quiser, o livro cujos trechos foram reproduzidos acima, foi escrito por Júlio Ribeiro, em 1888. A Carne é uma das obras mais importantes do naturalismo brasileiro.

A descoberta da sexualidade. O gozo. Sexo. Divórcio. Drogas.

Em 1888, repito e ressalto.

Fosse o gramático abolicionista e anticlerical Júlio Ribeiro inglês ou francês e a obra O Amante de Lady Chatterley , escrito por D. H. Lawrence em 1926, provavelmente nem seria muito conhecida hoje. Talvez ele nem mesmo a houvesse escrito. Afinal, seria só mais um orgasmo feminino.

P.S. Esse livro pode ser baixado de graça no site Domínio Público, basta clicar aqui.


2 comentários :

  1. Gosto por demais desse romance de Júlio Ribeiro. Muito ousado por hora de seu lançamento e, para mim continua quente como quando saiu do forno.
    Bom mesmo.

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  2. Apesar de não ser meu tema favorito para leitura, achei bem interessante a resenha. Parabens.

    Abraço
    Daniel

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